Concluiu-se neste sábado dia 29 de outubro o IRT Memorial Antonio Padua. O torneio foi realizado em 2 fins de semana na sede da Associação Leopoldinense de Xadrez (ALEX) e este que vos escreve terminou campeão!
Este foi meu primeiro torneio FIDE desde o ano passado. Originalmente minha intenção era jogar a final do campeonato cearense, para a qual estava me preparando desde que me qualifiquei em julho. Quando decidi que as datas não eram viáveis decidi jogar um IRT no Rio de Janeiro (onde estava).
Neste torneio certamente joguei meu melhor xadrez até o momento, naturalmente cometi imprecisões aqui e ali, mas não tive nenhum erro grave, exceto na segunda rodada que deixei passar alguns táticos, mas sem estragar a posição. A divisão do torneio em 2 fins de semana certamente me beneficiou, considerando que uma de minhas principais fraquezas é a falta de estâmina nas últimas rodadas. Em mais de um torneio passado eu arruinei uma excelente performance jogando terrivelmente nas últimas rodadas.
Enfim, chega de fala fala e vamos ver algumas posições:
A posição do diagrama ocorreu na primeira rodada. Meu oponente acaba de jogar 22...b6 tentando remover minha torre da quinta fila para uma posição mais passiva, se as brancas jogam 23. Ta4 as negras seguem Ce5 ou mesmo Ce3 com bom jogo. Entretanto o enfraquecimento da posição do rei permite às brancas um belo golpe tático: 23.Cd5!
Agora se 23...bxa5 24.Db6+ Ra8 25.Cc7+ ganha a dama negra. As negras tinham que se contentar com 23...exd5 24.Txd5 Dc7 25. hxg4 quando as brancas tem peão a mais e ameaças de invadir na coluna f. Meu oponente jogou 23...Tb8, que era o lance crítico que tive que calcular quando joguei Cd5. As negras defendem b6 e mantém ambas as peças atacadas, se tivesse que mover a torre as negras poderiam tomar d5 em condições melhoradas, mas eu tinha tudo calculado e repliquei instantaneamente com o lance ganhador 24.Dc4!, ameaçando Dxa6#, se 24...Db7 25.Tf7! termina o jogo, 24...bxa5 é então forçado, mas depois de 25.Dxe5+ as negras perdem a dama, o jogo seguiu 25...Rb7 (se 25...Ra8 26.Cb6+, 25...Bc5 salva a dama mas entrega todo o resto) 26.Db6+ e as negras abandonam. É importante notar um último detalhe, depois de 26...Ra8 (se 26...Rc8 27.Tc1+) 27.Cc7+ ganha a dama, mas não 27.Dxa6+?? que daria mate com Cc7 em seguida se Da7 não viesse com xeque arruinando tudo, nunca é tarde demais para estragar um jogo!
A posição seguinte ocorreu na terceira rodada. Meu oponente de pretas acaba de jogar 11...Dc8
Eu joguei 12.e5, nesta altura eu acreditava ter grande vantagem e culpava o lance Dc8 pelo predicamento de meu oponente, a coluna e vai abrir e o rei negro vai ficar preso no centro. Entretanto eu e meu oponente ambos não vimos o recurso salvador das negras. Depois de 12...dxe5 13.Dxe5 O-O! 14.Dxe7 as negras empatam com 14...Bxg2! quando 15.Rxg2 Dg4+ leva a perpetuo. É curioso que quando joguei e5 eu considerei linhas em que as negras tentavam contrajogo com Dg4, mas nada funcionava, simplesmente não me ocorreu a ideia de tomar g2 primeiro. Na partida meu oponente também não viu este recurso e jogou 12...Cg4??, tentando bloquear a coluna com Ce5, mas depois de 13.exd6 cxd6 14.Bg5 a partida não durou muito.
A próxima posição ocorreu na quarta rodada
Na posição do diagrama eu joguei 12...b5, que tem sucesso em quebrar o Maróczy Bind das brancas. 13.Cxb5 e 13.cxb5 ambos falham devido 13...Cxe4. O único lance que mantém a posição jogável para as brancas é o temático 13.e5!, com a ideia de bloquear a diagonal do bispo em g7. Enquanto eu pensava na posição depois de e5 meu oponente me surpreendeu com 13.Bb2?, que simplesmente entrega o peão em c4, depois de 13...bxc4 ele piorou ainda mais a situação com 14.Cd5? que me permite ganhar qualidade com 14...Bxd5 15.exd5 c3! 16.Bxc3 Ce4 17.fxe4 Bxc3 seguido de Bxa1.
A razão pela qual mostro esta posição, entretanto, é que 12...b5 não é o melhor lance! As negras podiam quebrar o bind com 12...d5!, agora qualquer captura em d5 permite 13...Cxd5 e se as brancas tentam 13.e5 segue 13...dxc4 14.exf6 Bxf6 15.Bxc4 Bxc4 16.bxc4 Dd4+ recuperando a peça. O único lance que mantém as brancas no jogo (embora com posição inferior) é 13.Tb1, evacuando a diagonal e contra-atacando b7 em caso de captura em c4.
Como o leitor pode ver, além do formato em 2 fins de semana, também me beneficiou a falta de familiaridade de meus oponentes com meu jogo. De fato a única partida em que me foi preciso mostrar conhecimento teórico foi a última. Cheguei na última rodada com 5 pontos em 5 possíveis precisando de um empate com as peças negras para garantir a primeira colocação. Meu oponente era o pré-rankeado número 1 do torneio. No dia anterior à rodada eu dei uma olhada nas suas partidas na database e não achei nenhuma partida contra o gambito benko, de modo que minha escolha de abertura ficou fácil. A partida seguiu:
1.d4 Cf6 2.c4 c5 3.d5 b5 4.cxb5 a6 5.bxa6 g6 6.Cc3 Bxa6 7.Cf3 Bg7 8.g3 d6 9.Bg2 Cd7 10. Tb1 O-O 11. O-O Da5 12. Bd2 Bb7 13.Dc2 Da7 14.e4 Ba6 15.Tfd1 Cg4 16.h3 Ce5 17.Cxe5 Cxe5 18.Be3 Cc4 19.Bc1 neste ponto meu oponente tinha quase meia hora a menos no relógio e sentindo que não tinha manejado a abertura da forma mais precisa me ofereceu empate. Eu brevemente ponderei recusar o empate, na hora eu achava que devia ter a melhor posição, devido especialmente aos tempos perdidos com o bispo, mas como não vi nada particularmente claro segui o princípio de mínimo esforço e aceitei o empate que me garantia o torneio. Analisando a posição com o computador vi que minha avaliação era muito otimista e portanto aceitar o empate realmente foi a decisão correta.
O leitor interessado pode ver as partidas completas das 4 primeiras rodadas na página do torneio no chess-results (link no primeiro parágrafo), as 2 últimas rodadas ainda não foram postadas.
Uma coisa que notei neste torneio é que eu tenho uma tendência a supervalorizar a iniciativa. Em mais de uma ocasião eu avaliava a posição como melhor pra mim e quando eu ia analisar depois com o computador ele dizia que a posição não era nada demais. Infelizmente vai demorar até que possa jogar outro torneio, mas no meio tempo vou peruar por aqui no blog.
terça-feira, 1 de novembro de 2016
domingo, 23 de outubro de 2016
Defesa Câmara
Meu primeiro contato com a defesa Câmara se deu após o falecimento do enxadrista Ronald Câmara. Na época nada sabia sobre os irmãos Câmara quando a notícia do falecimento de Ronald me levou a um daqueles infâmios vórtices da internet (um link leva a outro, que leva a outro...). Eventualmente no meio da turbulência do vórtice me deparei com a defesa Câmara, criação do outro irmão Câmara, MI Hélder Câmara.
A defesa Câmara (DC daqui em diante) se trata da linha 1.e4 e5 2.Cf3 De7?!. MI Hélder explica que a ideia deste lance, que parece quebrar todos os princípios da abertura, é obter uma defesa índia do rei contra 1.e4!
Por exemplo 1.e4 e5 2.Cf3 De7 3.Cc3 c6(previnindo Cd5) 4.d4 d6(mantendo o representante negro no centro) 5.h3 g6(fianquetando o bisppo antes de Cf6, do contrário as brancas tem Cg5, i.e 5...Cf6 6.Bc4 g6? 7.Cg5) 6.Bc4 Bg7 7.O-O Cf6 8.Te1 O-O 9.a4 Cd7 quando as negras tem uma configuração típica da índia do rei (embora o leitor mais implicante possa dizer que é uma pirc).
De início não dei muito crédito à ideia, afinal se xadrez faz sentido o lance 2...De7 tem que ser ruin. Até que me deparei com este artigo, no qual o MF Álvaro Aranha mostra uma partida sua com a DC. O artigo me inspirou a tentar a DC em partidas blitz e rápido na internet.
Joguei várias partidas com a DC na internet, incluindo várias contra MFs e MIs, e para minha surpresa nenhum de meus oponentes encontrou uma abordagem particularmente convincente contra ela. Eu sempre obtia jogo razoável, ou expandindo no flanco dama com b5 e a5, ou, se meu oponente impedisse b5, jogava no flanco rei de maneira semelhante à partida do MF Aranha. Isto me levou a considerar utilizar a DC em torneios, o que necessitaria uma investigação um pouco mais séria da defesa.
Um belo domingo resolvi tirar a tarde pra analisar a abertura. Munido do meu bom e velho houdini 1.5 embarquei numa missão para explorar esta defesa peculiar. Infelizmente a missão durou poucos minutos pois quase imediatamente encontrei uma refutação jogando os lances mais naturais:
1.e4 e5 2.Cf3 De7 3.Cc3 c6 4.d4 d6 5.Bc4 os lances 5.h3, 5.Be2 e 5.a4 são razoáveis (e populares com meus oponentes), mas obviamente não podem constituir uma refutação da defesa 5...g6 6.Bg5 Cf6 7.dxe5 dxe5, esta posição foi alcançada algumas vezes na database, mas ninguém encontrou o lance correto aqui.
8.Cxe5!! Dxe5 9.f4 De7 10.e5, as brancas recuperam a peça com interesse, um conceito notável!
Parece que quebrar os princípios realmente é ruin!
A defesa Câmara (DC daqui em diante) se trata da linha 1.e4 e5 2.Cf3 De7?!. MI Hélder explica que a ideia deste lance, que parece quebrar todos os princípios da abertura, é obter uma defesa índia do rei contra 1.e4!
Por exemplo 1.e4 e5 2.Cf3 De7 3.Cc3 c6(previnindo Cd5) 4.d4 d6(mantendo o representante negro no centro) 5.h3 g6(fianquetando o bisppo antes de Cf6, do contrário as brancas tem Cg5, i.e 5...Cf6 6.Bc4 g6? 7.Cg5) 6.Bc4 Bg7 7.O-O Cf6 8.Te1 O-O 9.a4 Cd7 quando as negras tem uma configuração típica da índia do rei (embora o leitor mais implicante possa dizer que é uma pirc).
De início não dei muito crédito à ideia, afinal se xadrez faz sentido o lance 2...De7 tem que ser ruin. Até que me deparei com este artigo, no qual o MF Álvaro Aranha mostra uma partida sua com a DC. O artigo me inspirou a tentar a DC em partidas blitz e rápido na internet.
Joguei várias partidas com a DC na internet, incluindo várias contra MFs e MIs, e para minha surpresa nenhum de meus oponentes encontrou uma abordagem particularmente convincente contra ela. Eu sempre obtia jogo razoável, ou expandindo no flanco dama com b5 e a5, ou, se meu oponente impedisse b5, jogava no flanco rei de maneira semelhante à partida do MF Aranha. Isto me levou a considerar utilizar a DC em torneios, o que necessitaria uma investigação um pouco mais séria da defesa.
Um belo domingo resolvi tirar a tarde pra analisar a abertura. Munido do meu bom e velho houdini 1.5 embarquei numa missão para explorar esta defesa peculiar. Infelizmente a missão durou poucos minutos pois quase imediatamente encontrei uma refutação jogando os lances mais naturais:
1.e4 e5 2.Cf3 De7 3.Cc3 c6 4.d4 d6 5.Bc4 os lances 5.h3, 5.Be2 e 5.a4 são razoáveis (e populares com meus oponentes), mas obviamente não podem constituir uma refutação da defesa 5...g6 6.Bg5 Cf6 7.dxe5 dxe5, esta posição foi alcançada algumas vezes na database, mas ninguém encontrou o lance correto aqui.
8.Cxe5!! Dxe5 9.f4 De7 10.e5, as brancas recuperam a peça com interesse, um conceito notável!
Parece que quebrar os princípios realmente é ruin!
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